Um cachorro está movendo um processo contra um agressor, com direito a “assinatura” com a impressão digital da própria pata incluída nos documentos. A ação por danos morais, que solicita indenização de R$ 30 mil, foi elaborada em nome de Bethoven, com relação a um caso ocorrido na localidade de Lagoa Seca, zona rural de Granja, no interior do Ceará. O documento pede a punição do agressor que atirou no olho direito do animal.
O crime aconteceu no dia 14 de março, quando, de acordo com o suspeito, ele teria atirado após o animal avançar contra ele. O homem foi preso em flagrante por policiais do Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio) da Polícia Militar do Ceará (PMCE). Duas armas artesanais foram apreendidas na residência dele.
Contudo, o advogado que elaborou a ação assinada por Bethoven não acredita na versão do suspeito. “Ninguém consegue, em cima de uma motocicleta, atirar no olho de um cachorro”, opina José da Silva Moura Neto.
O advogado explica que decidiu redigir a ação judicial em nome de Bethoven, e não do tutor João Cordeiro da Silva, com o propósito de reforçar a luta contra os maus-tratos a animais. “A nossa missão aqui é dar uma lição, porque o Brasil não tolera mais maus-tratos. O animal entrando com a ação mostra que ele é sujeito de direito. Por sofrer, ele tem direito de estar em juízo”, destaca Moura Neto.
“O animal não consegue se defender, então a gente está buscando outros meios para conseguir punir realmente, porque parece que o ser humano só obedece à lei do bolso. A gente entrou com a ação judicial pelo próprio cachorro porque ele é sujeito de direito, o Decreto 24.645/1934 mostra isso. Por isso tem a assinatura com a patinha dele. É cabal que quem recebe um tiro no olho tem um dano moral”, complementa o advogado, que acredita na validade do documento, apesar da peculiaridade da elaboração.
Ação judicial
No documento, o advogado redige diversos trechos onde ele reforça a convicção na legitimidade da ação, mesmo com a assinatura e autoria do cão. “Em suma, há de se perceber perfeitamente que os seres vivos, desde que devidamente representados ou assistidos, têm direito a demandar em juízo quando algum de seus direitos fundamentais for violado”, justifica o documento.
A ação judicial traz ainda o poema Retrato, de Cecília de Meireles, ao fazer a comparação entre fotos do animal antes e depois do crime. “Respondendo a inesquecível poetisa, a face do Autor ficou perdida no espelho da maldade humana quando o Requerido efetuou, de forma imotivada, um disparo covarde em desfavor de alguém que aprendeu a dar o seu coração por um carinho ou um afago”, enfatiza o documento.
Cachorro Bethoven, que move processo contra agressor, assinou a ação judicial com a própria pata. — Foto: Divulgação
“Por estas razões, o Autor da demanda vem buscar amparo jurisdicional, já que as feridas havidas em seu olho direito serão carregadas em seu âmago até o final de sua vida”, complementa a ação judicial assinada por Bethoven.
Sem legislação no Brasil
A presidente da Comissão de Direito dos Animais da seção cearense Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Lucíola Cabral, revela que a Constituição brasileira ainda não possui legislação que valide este tipo de ação judicial, e cita países como Equador, Colômbia, Índia, onde há possibilidade, por exemplo, de elaborar documentos em nome de rios — sob Direitos da Natureza.
Contudo, para Lucíola, o juíz responsável pelo caso pode deferir o documento levando em consideração a representação que se faz por meio do advogado, ou os dados do tutor do animal. “O cão, no caso, está assistido pelo tutor, como estaria um menor, sendo assistido pelo pai ou pela mãe”, destaca a jurista da OAB/CE.
“Independente de ser um ser irracional, como chamam, a gente crê que todo ser tem o direito de não sofrer, por isso, ele sofre dano moral. Então, o dano moral é dele, ele que sofre. É claro que quem vai prestar conta é o tutor dele, que também teria direito por danos morais”, complementa Moura Neto.
O criminoso, autor do disparo, foi autuado com base na Lei Sansão (Lei 14.064/2020), que aumentou a punição para quem maltrata cães e gatos. Se condenado, o suspeito pode pegar uma pena de reclusão de dois a cinco anos, e multa, de acordo com a SSPDS.
A ação judicial solicita ainda que o acusado “em sede de tutela de urgência, não se aproxime do Autor, sob pena de multa de R$ 1.000,00 caso descumpra o comando judicial, no limite mínimo de 500 metros”.