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Quanto vale o agir ético?

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Durante a semana, assisti, via internet, a uma palestra do jurista Carlos Ayres Britto, na qual, de todas as lições e provocações que fez, a que mais chamou a atenção foi a Parábola das Garças. O ex-ministro do STF relatou que, em Aracaju/SE, morava em um apartamento que lhe propiciava uma visão exuberante e sequenciada do manguezal, da maré, do rio e do mar, de modo que adorava observar, ao entardecer, o voltar das garças.

Ayres Britto destaca que as garças têm por preferência os ambientes pantanosos. Pois bem. No seu retorno, seu voo mais parecia uma coreografia, giros cuidadosíssimos e meticulosamente circulares, até o pouso. Ao sair, no dia seguinte, bem de manhãzinha, as garças levantavam voo para sair do manguezal e passavam ao lado do seu apartamento, momento em que uma condição era muito marcante: embora saíssem do lodaçal, da lama, jamais se lambuzavam; nas aves não eram encontráveis uma nesga de sujeira sequer.

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Nisso, o referido palestrante afirma que, embora vivam em meio àquele ambiente pantanoso, as garças não admitem contaminar-se, não abrem mão da sua limpidez. Jamais abdicam da sua cuidadosíssima condição de pouso, nem mesmo dos seus voos “conscientes”.

Pareceu-me uma parábola muito interessante. Encaminhei um áudio dela a diversos amigos. Mas gostaria de dizer mais.

Considerando, objetiva e desesperançosamente, que a vida seja apenas uma, poder-se-ia imaginar que “vale tudo” pelo voo. Valesse tudo pelos resultados, e as nesgas de lama seriam meros acidentes de percurso. Os fins visados justificariam os meios empregados. Acontece que a vida humana transcende os resultados materialmente obtidos e sofre intensos influxos dos meios.

Diga-se: na vida, na vida humana, o resultado é incapaz de ofertar a felicidade, por si só. Assim fosse, no leito da morte, alguém estaria plenamente feliz e pessoalmente realizado se lhe chegasse a informação ou o comprovante de que acaba de ganhar um prêmio milionário, como o da Mega Sena. A novidade de pouco valeria para o ganhador. Embora pudesse ser útil para seus herdeiros, o premiado não usufruiria daquele resultado superveniente, não podendo gozar das suas bonanças.

Igualmente deve ser a impotência de quem, tendo todos os bens materiais, chega ao final da vida nada tendo preservado além do dinheiro e da prepotência. Alguém que maltratou seus semelhantes, que praticou a discórdia e a tentativa de se sentir um deus. Deve ser doloroso perceber que o seu destino será o mesmo de todos aqueles a quem se ocupou em menosprezar.

Mais do que nos resultados, a beleza parece estar no recôndito dos caminhos, no dia a dia. É óbvio que lograr êxito é extremamente animador, mas as vitórias destituídas de valores perfazem um vazio desumano. Em diálogos sobre essa temática, sempre lembro da mensagem que atribuem à Darcy Ribeiro, na qual ele teria dito: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.  Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”.

A procura por valores e a reflexão sobre o agir correto são preocupações que movem um dos mais importantes campos da Filosofia, qual seja, a Ética. Como agir e qual o agir correto?!

Perguntar é importante. As garças não se perguntam e, ainda assim, fazem do seu voo e do seu pouso cuidadosíssimas missões. Nós, seres humanos, deveríamos perguntar-nos mais. Eu não saberia informar aos leitores qual a melhor decisão a tomar, abstratamente. Entretanto, ousaria dizer que, seja qual for o problema, a dúvida ou o desafio, pensar é, de regra, uma medida urgente. Pensar eticamente.

E não estou a defender que exista uma ética a ser vivida ou um conjunto de comportamentos a ser rigorosamente adotado. Estou a dizer que as melhores condutas são precedidas pelo pensamento e planejamento éticos.

Há derrotas que honram. Há vitórias que perturbam.

O agir ético vale a vida.

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