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O futebol seria o ópio do povo brasileiro?

Reprodução

Apesar de, hoje, não ser praticante dos esportes, quando criança, muito me diverti no Ginásio Aloísio Nonô, em Boca da Mata, e já assisti a dezenas de partidas na torcida pelo Santa Rita, time da minha amada cidade. Valorizo o futebol, como torcedor, sempre que possível, mesmo não estando entre os que tomam para si a ocupação de brigar pelos resultados obtidos. Nesse contexto, em tempos de Copa do Mundo FIFA, esta minha noite de domingo, como sempre, reflexiva, trouxe-me a indagação sobre a torcida pela vitória da Seleção Brasileira de Futebol. Isso porque li um ensaio maravilhoso de Roberto DaMatta, presente na obra Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Adianto, inclusive, que a pergunta que dá título a essa publicação também foi feita pelo próprio sociólogo que referencio, o que me traz maior prazer em tecer simples comentários sobre o tema, incluindo citações que constam no seu texto original.

Ocorre que pensar sobre o futebol e o que ele representa para as relações sociais do nosso cotidiano nos lembra, de imediato, os críticos de plantão. A galerinha onipresente e onisciente. Aqueles que se dizem, implicitamente, portadores de um senso incomum, que, em realidade, já é mais comum do que tudo com o que me assustei em vida. Em momento político de crise como o que vivenciamos, que é inerente a toda a história brasileira (sempre houve crise política nesta terra!), qualquer derrota política é razão para pessimismo e para maldizer as alegrias alheias. Além daqueles que foram derrotados pelas circunstâncias do presente, existem os eternamente desesperançados com o futuro, pois cultivadores de alucinações ideológicas inaplicáveis à vida humana. Juntam-se ambos os grupos e, geralmente, tacam a dizer: futebol é idiotice; torcer pra Seleção é safadeza; esquecem dos problemas nacionais; são enganados pela mídia etc.

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Bem, confesso, desde já, que enganados todos podemos ser. Uns pela mídia, outros pelas alucinações que alimentam de um futuro impossível. Realmente, também é constatável que muitos se esquecem dos problemas nacionais: uns querem intervenção militar, outros querem a revolução que não sabe qual – exemplos. Poucos querem resolver a fome, a miséria, a intolerância (política!) e os problemas egoísticos que propalam por aí. Pois, em síntese, se há quem esqueçam dos problemas nacionais e sejam enganados, não são os únicos aqueles que torcem pela Seleção. Trata-se de uma limitação racional bem democrática, que atinge setores da direita, da esquerda e de outras luas.

Então, superadas essas tolices, destaco, como DaMatta, que o esporte não existe fora da sociedade. Não existe uma luta do futebol contra a sociedade, uma competição. Tal como DaMatta, estou entre os insatisfeitos com um conjunto de análises sociológicas extremamente economicistas e “que entende ser a vida social um jogo direto de forças racionais num mercado, jamais podendo ser vista como um drama futebolístico, onde homens lutam contra homens e todos com regras e torcidas que também imprimem ao espetáculo uma direção incontrolável” (DAMATTA, p. 14). O futebol está inserido numa civilização que valoriza o dinheiro, a mais-valia, mas não pode ser reduzido a isso, pois a sociedade e as possibilidades, o destino, até, não se resume a isso. Jamais se resumirá. Essa narrativa pessimista é um projeto político, e não uma realidade.

DaMatta nos diz que o futebol tem seu poder e seu próprio plano! E ele consegue expressar, em termos bem formulados, há décadas atrás, algo que sentia e tento repassar a alguns colegas por esta via. O futebol está no capitalismo, é condicionado ao seu tempo, mas não pode ser reduzido a isso, ou aos efeitos – bons e ruins – advindos dessa etapa civilizatória que vivemos. Vejamos.

“Da mesma forma que o amor não se reduz só ao sexo; ou a política ao mero uso e abuso da força; ou a poesia ao uso das palavras. Há na atividade futebolística (como em tudo o mais que constitui a vida em sociedade) um “mistério”. E esse “mistério” começa a ser desvendado quando nos damos conta que as coisas decolam e ganham asas. Assim, eu amo, mas o amor fala por mim uma linguagem que é dele. No futebol há também esse espaço próprio: o espaço do jogo, a esÍfra sustentada e mantida pelas relações complexas e fascinantes que existem entre algo que à sociedade inventou (o jogo) como coisa; e o jogo como expressão dos problemas e preocupações desta mesma sociedade.” (DaMATTA, 1980, p. 16).

Ora, ora. O futebol é parte da nossa cultura. E, se cultura indesejável se muda, essa não é uma expressão cultural que seja desejável mudar, essencialmente, pois inerente aos nossos anseios como sociedade: de interagir com o outro, de unir as pessoas, de pensar as disputas, competições, de comemorá-las, ou não. De perder e de ganhar, como a vida possibilita vitórias e derrotas. Jogos e campeonatos findam, a emoção, jamais.

Desejo mesmo é que as pessoas disputem seus projetos políticos com propostas, ideias sonhadoras e realizáveis, e não com a descaracterização daquilo que a nossa gente trata com sacralidade, como diversão, de boa vontade.

Corrupção?! Tem dentro de casa, tem na política, tem na igreja, tem na subjetividade humana. Sem querer relativizar, mas ninguém abriu mão da política, da igreja ou da sua própria subjetividade em razão de atos que corromperam as regras e as normas morais, religiosas ou jurídicas imperantes. Pelo contrário, investimos no combate, no sonho de não mais falhar, de refletir eticamente os erros; os alheios e os nossos, que sempre existem.

Não podemos decretar o fim do mundo pelos problemas que ele abriga. Não podemos desejar o fracasso à vítima de atos que a corromperam. A Seleção Brasileira não é patrimônio imaterial da CBF. Ela integra o fenômeno cultural que é símbolo de união, alegria, esperança e autoafirmação de um povo.

O futebol é uma das manifestações que nos conduzem ao reino da igualdade e da justiça social, sim. É onde se encontram ricos e pobres, onde pairam regras que todos, universalmente, devem respeitá-las, onde há socialização, ascensão social de pessoas que estão lá na base da pirâmide social, entre outras boas surpresas. Os problemas que enfrenta o futebol são os mesmos que enfrentamos como sociedade e ele seria um alvo errado contra quem torcer nesse estágio da crise brasileira.

O futebol não é o ópio do povo.

Obra citada: DaMATTA, Roberto et al. Universo do Futebol: Esporte e Sociedade Brasileira. Rio de Janeira, Pinakotheke, 1982.

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