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MPF acusa Ana Paula Valadão e pede indenização por discurso homofóbico

Reprodução

A fala também teria ofendido as pessoas que convivem com o vírus HIV

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública (ACP) pedindo indenização por danos morais coletivos em razão da prática de discurso de ódio contra homossexuais e pessoas que convivem com o vírus HIV feito pela pastora Ana Paula Valadão da Igreja Batista da Lagoinha (BA).

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Durante a transmissão de uma entrevista em um evento, ela afirmou: “[…] Taí a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte, contamina as mulheres, enfim…Não é o ideal de Deus”.

Segundo a ação, movida também contra o canal 23 Ltda (Rede Super de Televisão), a fala da pastora influencia um número indeterminado de pessoas pelo seu conteúdo, especialmente com a repercussão gerada pelo compartilhamento nas redes sociais e nos meios de comunicação.

Investigado por meio de um inquérito civil, o episódio ocorreu quando a pastora participou de um congresso chamado “Na Terra como no Céu”, transmitido ao vivo – e reprisado pela Rede Super de Televisão, emissora que pertence à Igreja Batista da Lagoinha.

Liberdade extrapolada – Questionada pelo MPF, a apresentadora alegou que sua fala encontrava-se amparada no exercício da liberdade religiosa e foi mal interpretada. Alegou ainda que teria dito isso em um contexto religioso, durante um culto para público determinado e a transmissão se deu por um canal igualmente para uma audiência de fiéis.

Contradição – Na resposta enviada pelo canal de TV foram usados os mesmos argumentos de liberdade religiosa alegada pela pastora, mas no link do Youtube apresentado, que, segundo afirmado conteria a íntegra da fala da pastora, o trecho com as falas questionadas encontra-se estranha e grosseiramente suprimido, apesar de ambos os réus negarem a ocorrência e o teor do pronunciamento e sem que tenham informado que o teriam feito como medida de reparação.

Para o MPF, porém, tanto a pastora como a emissora devem ser responsabilizados: a primeira pelo discurso preconceituoso – que não encontra guarida na liberdade religiosa, posto que extrapolou seus limites constitucionais e ofendeu direitos de grupo de pessoas vulneráveis – e a segunda por ter veiculado e amplificado o alcance da fala preconceituosa (hate speech).

Os fatos denotam o caráter homofóbico do discurso, pois correlaciona práticas homoafetivas à doença e à morte, estabelecendo relação entre o comportamento e a enfermidade e sugerindo segregação institucional e incitação à violência. “Responsabilizar ‘os homens que fazem sexo com homens’ pelo surgimento e propagação da Aids reforça o tom hostil e preconceituoso da fala, desrespeitando direitos fundamentais decorrentes da dignidade da pessoa humana dessa coletividade. A soma de todos esses elementos evidencia a inegável ocorrência de discurso de ódio”, diz a ação.

“Há de se ressaltar, neste ponto, que a conduta da demandada não se restringiu ao mero desferimento de ofensas à honra de grupos sociais, tendo incorrido em verdadeiro discurso de ódio. Isto porque a agressão excede o âmbito da integridade física, abarcando, também, condutas nocivas ao equilíbrio psicológico das vítimas, como a sua exclusão e segregação da sociedade.”, escreveram na ação os procuradores da República Helder Magno da Silva e Edmundo Dias Neto.

Sorofobia – A ação também lembra que o discurso proferido e ampliado pela transmissão televisiva viola os direitos das pessoas que convivem com o HIV, na medida em que reforça o estigma preconceituoso e excludente e reproduz uma inverdade científica, incutindo erro na percepção das pessoas sobre a transmissão do vírus do HIV. Essa narrativa da AIDS como ” doença/câncer/peste gay” ou mesmo “castigo de Deus” remonta à década de 1980 e se baseava na desinformação sobre o vírus e no desconhecimento sobre a doença.

Tal concepção foi há muito superada pelo conhecimento médico científico.“Pouco importa tratar-se de homem ou mulher, preto ou branco, religioso ou ateu, hétero ou homossexual, soropositivos ou soronegativos. Todos têm o direito de viverem como desejarem, especialmente na intimidade, sem que seja permitido a ninguém incitar ao ódio pelas orientações, características pessoais, doenças/moléstias de que padecem ou vírus com que convivem”, escreveram na ação.

STF – A ação também cita jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que já se manifestou sobre os limites da liberdade religiosa, delimitando-a quando confrontada com outros direitos fundamentais. Além disso, recentemente o STF enquadrou homofobia, lesbofobia e transfobia como crimes de racismo, reconhecendo a omissão legislativa existente.

O discurso preconceituoso ocorreu em programa televisivo e ganhou ampla repercussão na rede mundial de computadores. O MPF ressalta que se deve atentar que, na prestação dos serviços de comunicação social, a produção e a programação das emissoras de rádio e de televisão devem respeitar os valores éticos e sociais da pessoa, conforme expressa disposição constitucional.

Pedidos – O MPF pede a condenação do Canal 23 (Rede Super de Televisão) ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 2 milhões, e que também seja obrigado a arcar com os custos econômicos da produção e divulgação de contranarrativas ao discurso do ódio praticado, em vídeo e sítio eletrônico, com a efetiva participação de entidades representativas de pessoas LGBTQIA+ bem como de pessoas que convivem com o HIV.

Em relação à pastora Ana Paula Machado Valadão Bessa, o MPF pede que seja condenada por danos morais coletivos e ao pagamento de indenização no valor de R$ 200 mil.

O MPF pede que esses valores sejam revertidos a entidades representativas de pessoas LGBTQI+ e de pessoas que convivem com o HIV ou, alternativamente, ao Fundo Nacional de Direitos Difuso.
(ACP nº 1020744-45.2021.4.01.3800 – Pje)

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