Morreu, nesta madrugada, o cineasta, cronista e jornalista Arnaldo Jabor, aos 81 anos. Ele estava internado no Hospital Sirio-Libanês, em São Paulo, desde o dia 17 de dezembro, depois de sofrer um acidente vascular cerebral. A família informou que a causa da morte foram complicações do AVC.
Nascido em 12 de dezembro de 1940 no Rocha, bairro da Zona Norte carioca, Arnaldo Jabor era filho de um oficial da Aeronáutica e uma dona de casa.
Em mais de 50 anos de carreira, Jabor percorreu entre o cinema, o jornal, a TV e o rádio, ora tratando de política, ora contando uma história da juventude — ou unindo os dois como um malabarista. Em seus filmes e textos, procurava observar a sociedade brasileira, compreender seus paradoxos e criticar suas hipocrisias.
Diretor do Cinema Novo, o cineasta inaugurou a linha do “cinema verdade” de Jean Rouch, aproximando a câmera das pessoas nas ruas e dando destaque às contradições da classe média, da qual o próprio fazia parte.
Seu primeiro longa-metragem “A opinião pública” (1967) foi um marco no documentário brasileiro moderno. Através de depoimentos de personagens como estudantes, donas de casa e aposentados, o filme traça um painel da classe média carioca após o golpe militar de 1964, evidenciando seus comportamentos, suas inclinações e, sobre tudo, sua distância frente a realidade brasileira. A obra faz, afinal, uma referência ao próprio diretor, que sempre se colocou diante da opinião pública como ponto crítico, de questionamento.
— Há uma semelhança do tempo em que fiz “A opinião pública” para hoje. Naquela época, o Brasil também estava dividido em dois e ninguém falava da classe média. Fiz o filme para mostrar a perplexidade de um grupo que não tinha a menor ideia do caminho que deveria seguir. É uma sensação que continua hoje.— declarou o jornalista em entrevista ao GLOBO em 2014, ao lançar a coletânea “O malabarista — Os melhores textos de Arnaldo Jabor”.
Nos anos 1970, Jabor tornou-se um dos mais bem-sucedidos diretores do país com filmes como “Toda nudez será castigada” (1973), que conquistou o Urso de Prata no Festival de Berlim e foi o primeiro vencedor do Festival de Cinema de Gramado. Adaptado da obra teatral homônima de seu amigo Nelson Rodrigues, o drama acompanha um conturbado triângulo amoroso (às escondidas) entre um viúvo, sua amante e seu próprio filho.
Baseado novamente nos textos do cronista, Jabor lança “O casamento” (1975), um espelho dos anseios da classe média, repleto de sátiras e ironias, que conquistou o Kikito de ouro de melhor atriz coadjuvante a Camila Amado. Na mesma linha, mais um estouro: “Tudo bem” (1978), com nomes como Paulo Gracindo, Fernanda Montenegro e Zezé Motta. A obra, aliás, está na lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos, editada pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine).
As crises amorosas e existenciais voltaram a ser objeto do roteirista e diretor em “Eu te amo” (1980), com Paulo César Pereio, Sônia Braga, Tarcísio Meira, Vera Fischer e Regina Casé no elenco. Intimista e sexual, a película culmina num grande delírio musical em celebração ao amor e à vida. Foi indicada ao prêmio de melhor filme no Festival de Gramado em 1981 e saiu vencedora em três categorias: melhor atriz (Sonia Braga), melhor som e melhor cenografia.
Sucesso dentro e fora do país, Jabor concorreu duas vezes à Palma de Ouro do Festival de Cannes: com “Pindorama” (1970) e “Eu sei que vou te amar” (1986). Este último rendeu ainda a Fernanda Torres, aos 20 anos, o prêmio de melhor atriz — foi a primeira brasileira a conquistar a honraria no evento francês.
Consagrada como uma de suas produções de maior destaque, a trama compõe uma espécie de sessão de psicanálise ao acompanhar um casal que decide, meses após sua separação, se encontrar para discutir as frustrações do casamento em um “jogo da verdade”. O longa lotou as salas de cinema e foi assistido por mais de 4,5 milhões de espectadores, mas, com o ingresso a U$ 0,70, acabou dando prejuízo.
Nesta época, fazer cinema lhe dava uma mistura de angústia, frustração e prazer, e quase nada de dinheiro, lembrou o roteirista e diretor em conversa com o GLOBO, em 2009. Na mesma ocasião, Jabor fez uma ressalva: — Felicidade para mim é criar, é isso que me deixa feliz. Sou um criador.
Fato é que, em meio à crise do cinema brasileiro durante o governo Fernando Collor no início dos anos 1990, precisou buscar um novo caminho para pagar as contas e continuar sua crítica à sociedade, à política e à cultura. Com sete longas no currículo, passou a trabalhar como jornalista de opinião em jornais, TV e rádio do Grupo Globo e lançou uma série de livros.
O jejum de 23 anos sem filmar foi quebrado pelo longa “A suprema felicidade” (2010), um retrato do Rio dos anos 50 com base em algumas de suas crônicas publicadas, exalando uma mistura de memória afetiva, sonhos e descobertas políticas — “uma espécie de ‘Amarcord’ brasileiro”, segundo o próprio diretor e roteirista.
— Não é autobiográfico, mas, ao mesmo tempo, está cheio de situações parecidas com fatos que eu vivi. Se é biográfico, é uma biografia inconsciente, de autoanálise — contou em entrevista ao GLOBO no ano do lançamento.