Fora do governo, será no STF (Supremo Tribunal Federal) que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro terá de enfrentar uma das principais batalhas em defesa de sua biografia.
Moro aguarda o julgamento pela corte superior de um processo em que é acusado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ter atuado de forma parcial nas causas contra o petista, quando era o juiz federal da Lava Jato em Curitiba.
Na turma julgadora do STF está o ministro Gilmar Medes, um dos principais críticos do trabalho de Moro na condução da investigação do caso de corrupção em torno da Petrobras.
Esse julgamento no Supremo também trará à tona as mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e divulgadas pelo site e por outros órgãos de imprensa que expuseram a proximidade entre o então juiz federal e os procuradores da Lava Jato.
Na última sexta-feira (24), Moro decidiu sair do ministério após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ter exonerado o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, indicado ao cargo pelo agora ex-ministro do governo.
Em pronunciamento, Moro acusou Bolsonaro de querer ter acesso a informações confidenciais de inteligência da PF e criticou a insistência do presidente para a troca do comando do órgão.
Bolsonaro, em resposta, disse que Moro pediu para que a troca do comando da PF ocorresse em novembro, depois de o ex-juiz ser indicado a uma vaga no STF. O ex-ministro negou essa acusação.
A troca de acusações entre Bolsonaro e Moro deverá agora ser alvo de investigação pelo Supremo, após pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.Há ali acusações sobre uma série de crimes, como as circunstâncias em que o presidente tentou interferir na Polícia Federal, como também a oportunidade para entender por que Moro silenciou por tanto tempo diante dos abusos de Bolsonaro.
E é justamente no STF que o ex-juiz da Lava Jato sofreu suas principais derrotas em 2019. A decisão da corte de que réus que não são delatores devem se manifestar por último, antes do julgamento das ações, levou à anulação de sentenças da operação que não observaram essa ordem.
O revés mais significativo no tribunal superior ocorreu em 2019 no julgamento em que a corte modificou o entendimento de que os condenados criminalmente em segunda instância já poderiam ser presos, o que sempre foi mencionado por Moro como um dos pilares da Lava Jato e do combate à corrupção.
Com isso, alvos da operação que estavam na cadeia por terem sido condenados em segundo grau foram colocados em liberdade.É o caso, por exemplo, do ex-presidente Lula, que ficou 580 dias preso em Curitiba, após condenação pela 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Eleitoral da 4ª Região). Em novembro do ano passado Lula foi solto, graças a essa decisão do Supremo.
O pedido de soltura (habeas corpus, na linguagem técnica) em que Moro é acusado de parcialidade está justamente no âmbito do processo que levou Lula para a cadeia.
Nessa ação da Lava Jato, o ex-presidente foi acusado de receber como propina da empreiteira OAS a promessa de um apartamento tríplex em Guarujá, no litoral de São Paulo.O petista foi condenado, em segunda instância, a 12 anos e um mês de prisão. No dia 7 de abril de 2018, ele foi preso.
O pedido de Lula que trata da parcialidade de Moro foi protocolado pela defesa do petista no STF no início de novembro de 2018, depois que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou o requerimento de libertação feito pela defesa do ex-presidente.
Após a manifestação das instâncias inferiores pelas quais o caso passou, a 13ª Vara Federal de Curitiba, o TRF-4 e o STJ, e da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, todos pela manutenção da prisão, o processo foi para julgamento no dia 4 de dezembro de 2018.
Na sessão, no entanto, Gilmar Mendes pediu vista (mais tempo para analisar o caso), e o processo foi retirado da pauta.Cerca de seis meses depois, o habeas corpus foi calibrado pela defesa de Lula com base nas mensagens obtidas pelo Intercept, que colocaram em dúvida a imparcialidade do agora ex-ministro da Justiça no julgamento dos processos da operação.
Em síntese, no contato com os procuradores, Moro indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.
Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.Já o Código de Ética da Magistratura afirma que “o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.
Os advogados de Lula então usaram o conteúdo dos diálogos para recorrer ao STF e reforçar o requerimento de concessão de uma medida liminar para que o ex-presidente fosse solto antes mesmo da decisão sobre o mérito do pedido de soltura.
A corte examinou o caso em 25 de junho passado. No início da sessão, o ministro Gilmar Mendes votou pela libertação do ex-presidente, mas sua posição foi derrotada por 3 votos a 2.
O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou Gilmar, mas os ministros Edson Fachin, Celso de Mello e Cármen Lúcia votaram contra a soltura imediata de Lula.
Gilmar propôs o adiamento do julgamento do habeas corpus, e o processo voltou a sair de pauta. A assessoria do STF informou que não há previsão de quando o ministro devolverá o processo para julgamento.
Esse julgamento é aguardado como forte expectativa por Lula. Isso porque hoje, apesar de solto, Lula segue condenado, enquadrado na Lei da Ficha Limpa e impedido de disputar eleições.
Se Moro vier a ser considerado parcial pelo STF, a sentença de Lula no caso tríplex poderia ser anulada na mesma decisão.
Além do caso tríplex, Lula foi condenado em segunda instância a 17 anos e 1 mês de prisão por corrupção e lavagem no caso do sítio de Atibaia (SP).
A defesa de Lula também considera possível a anulação dessa sentença no caso do sítio, já que Moro participou de seus trâmites iniciais, apesar de não ter sido responsável pela condenação, pois já havia saído da Lava Jato.
O ex-presidente ainda é réu em outros processos na Justiça Federal em São Paulo, Curitiba e Brasília.
Com exceção de um dos casos, relativo à Odebrecht no Paraná, as demais ações não têm perspectiva de serem sentenciadas em breve.
O advogado Cristiano Zanin, que defende o ex-presidente Lula, diz que “o habeas corpus que busca o reconhecimento da suspeição do então juiz Moro foi protocolado no final de 2018 no STF e me parece que o tema já está bastante amadurecido para ser julgado”.
A reportagem procurou Moro por meio da assessoria de imprensa do ex-ministro, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Em manifestações anteriores, o ex-juiz disse não reconhecer a autenticidade das mensagens obtidas pelo Intercept, mas que, se forem verdadeiras, não demonstram quaisquer ilegalidades.
Moro também sempre reitera que atuou com imparcialidade nos processos da operação e todas suas decisões foram fundamentadas e posteriormente examinadas pelas cortes superiores.