Noite de domingo. Poderia estar estudando conteúdos sobre o processo legislativo. Paro. Penso. Existem outras demandas. Há um tempo devo a atualização ao meu blog no AlagoasWeb, espaço democrático e que me acolhe com muita honradez. Numa tarde quente (mas de sossego) na zona rural de Boca da Mata, veio-me uma ideia. A ideia veio, e vejam como.
Sentado e a observar a paisagem vende clareada por um sol escaldante, percebo a aproximação de um senhor sem camisa, bermuda avantajada, magro, meio alegre. Não demorei a perceber que aquele semblante fora batizado com alguma bebida alcoólica, o que, em si, não é lá grandes problemas. O papo do senhor, contudo, figura como sendo a melhor parte do relato que tenho a fazer.
Lembrou que havia me encontrado noutra ocasião, proferiu alguns elogios e sentou-se ao meu lado. Refletia sobre dificuldades da vida. Um filho havia sido preso, duas irmãs internadas em hospitais psiquiátricos, problemas e mais problemas. Ouvi tudo de cabeça baixa, exceto quando ele me disse, com um ar de sinceridade inabalável: “Meu sonho é morar na favela”. Foi quando comecei a prestar ainda mais atenção no que se dizia…
Aquele homem da zona rural não estava satisfeito com a vida por ali, pensei. Ele afirmou que na favela há tudo próximo, incluindo-se as vendas, os negócios em geral e, até, policiamento ostensivo. No meu entender: na favela, o sofrimento não é tão solitário. Ele dizia estar de passagem na casa dos pais, o que fora contraditado por alguns colegas, que insistiram em dizer que lá é onde o próprio senhor mora.
No final das contas, a frase que repercutiu em minha mente, depois de todos os problemas, foi o fato de aquele homem dizer, embora talvez restasse efeitos de alguns goles, que o seu maior sonho tem sido o de morar numa favela. Faz lembrar as dificuldades do dia a dia, que sempre estão numa dimensão tão diversa entre um e outro, entre eu e outro, entre eu e você, entre nós e o próximo. Há um abismo entre a nossa visão de mundo e a maneira que os demais enxergam uma mesma realidade. Como tudo pode ser tão diferente! Sim, e isso também é óbvio, mas existem obviedades que precisam ser lembradas.
O que explica o sonho, ou melhor, o maior sonho de alguém, ser o de morar numa favela? Quais são as dores que movem seus sonhos? O que deixou de ser feito, e o que ainda haveria de ser, para esse senhor e a sua família? Onde erramos? Como proceder? Como responder? Perguntas inesgotáveis brotam. A favela, não seja um espaço demoníaco, mas tem seus problemas, frequentemente escancarados. É, ao menos, incomum, vê-la como o sonho de vida, o maior sonho, de alguém.
No meu cotidiano, às vezes, deparo-me com algumas pessoas a quem quero agrupar sob o título de “galerinha onisciente”, que tudo sabe, com absoluta certeza. Certamente, a onisciência seria abalada com dois dedos de prosa de uma tarde escaldante, na zona rural de um município interiorano, onde o discurso pisunhado de ideologias plastificadas não serviriam de nada.
A verdade é que as dúvidas surgem, as incertezas, as indagações. E é bonito não ter uma fórmula pronta, acabada e inteiramente inadaptável sobre tudo. Diante disso tudo, o bom mesmo é enaltecer a dúvida e, nela a capacidade de refletir, de criar, de ouvir e de buscar, no outro, as respostas que o mundo carece. Com unidade, sem onisciência.
Um brinde às dúvidas, pois, das certezas, o mundo está um caos!