Na esteira da polêmica – com ares de escândalo – dos shows de artistas sertanejos por todo o Brasil após a repercussão nacional do cancelamento da apresentação do cantor Gusttavo Lima, em Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, o jornal Estado de São Paulo, em matéria estupefaciente, para não dizer, rasgando o verbo, nojenta e indecorosa (não a matéria, claro, mas o conteúdo), desnudou uma pequena parte da imoralidade pública que empesteia as prefeituras de diversas cidades pequenas país afora nesta questão – e, tudo indica, trata-se apenas da ponta do iceberg de lama que ainda pode – e deve! – emergir.
O exemplo mais triste e grotesco é o da minúscula Mar Vermelho, em Alagoas. O município de pouco menos de 4 mil habitantes, a cerca de 110 km de Maceió, capital do estado, carece de água tratada, esgoto, asfaltamento e rede de energia elétrica. Dentre as cem cidades com menor renda do país, cerca de 60% da população vivem às custas do Auxílio Brasil, antigo Bolsa Família, e menos de 15% das residências possuem saneamento básico. Ainda assim, o prefeito André Almeida (MDB) resolveu torrar quase 400 mil reais em um show de Luan Santana, em agosto próximo, ‘véspera’ das eleições.
É simplesmente asqueroso, inaceitável, repugnante algo assim. Como pode ser prioridade de um prefeito – ou prefeitos – a contratação de sertanejos, diante da escassez de recursos básicos à vida humana de sua população? Pior. Por que estes cachês são tão altos, meu Deus do céu? E o que dizer das distorções? Luan Santana cobra 370 mil reais e Gusttavo Lima, 1.2 milhão de reais? E ainda: porque certos artistas cobram valores, que variam até 70%, de prefeituras diferentes, ainda que em cidades próximas às suas residências? Por que um show em Minas custa o dobro de um show em Rondônia?
Não é raro, muito menos novidade, a devolução de parte do dinheiro obtido do patrocínio de empresas, por artistas. Quando havia (não sei se ainda há) leis de incentivo ao Esporte, como é a Lei Rouanet, para a Cultura, empresas patrocinavam times de futebol, pilotos de corrida, etc., e recebiam, ‘por fora’, parte do dinheiro investido. Este tipo de coisa também ocorre com artistas, e aqui não estou dizendo que é o caso de Santana e Lima, que fique bem claro. Mas quando há tantas disparidades assim, faz-se necessária uma investigação pelo Ministério Público, até para que não restem dúvidas a respeito da lisura dos processos.
Se e quando houver uma investigação ampla e séria sobre este mercado, restando tudo correto e dentro da lei, ainda assim, a imoralidade permanecerá flagrante e o desvio de finalidade da administração pública patente. A Lei de Improbidade administrativa é muito clara, e desviar dinheiro que deveria ir para Saúde, Educação, Saneamento Básico, etc. é crime! Por fim, não há como isentar, sob o aspecto moral, os artistas envolvidos. São todos pra lá de milionários e deveriam se preocupar, sim, em saber de onde vem a grana que recebem. Ou melhor, para onde não está indo o dinheiro que abastece suas aeronaves e iates.