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Jovem evangélico de 16 anos tem cabeça decepada em briga de facção

Reprodução

“A gente vê matando de tiro, facada, mas daquela forma? O menino era evangélico e mesmo uma pessoa ruim não merecia aquilo. Arrancaram a cabeça e deixaram no local como se estivessem exibindo um troféu”. A declaração é de uma ‘irmã de igreja’ de Diego Souza dos Santos, 16 anos, vítima da violência entre facções em Rio Sena, no Subúrbio Ferroviário. Além de decapitado, o adolescente foi estripado. O crime ocorreu em 24 de setembro. O tronco, com um corte que ia da cintura ao peito, foi deixado em Ilha Amarela. 

Além dos atos de barbárie, os traficantes também fizeram fotos e gravaram vídeos, que espalharam em grupos de aplicativo para intimidar o bando rival. Na mesma velocidade com que o conteúdo foi compartilhado, vizinhos lotaram a porta da casa de Diego e a mãe do rapaz precisou de atendimento médico. O adolescente era o filho mais e velho dela, fruto do primeiro relacionamento – ele tinha uma irmã, filha do seu padrasto. 

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A cabeça de Diego estava em uma caixa, ao lado de um poste de iluminação pública, na Rua Maria Cecília, onde o domínio é do Bonde do Maluco (BDM). Todos os relatos colhidos pela reportagem no local apontam que integrantes do Comando Vermelho (CV), que estão concentrados na Rua do Lírio, são os responsáveis pelo crime. As duas localidades são divididas pela Rua Direta de Rio Sena e a guerra entre os grupos já existe há pelo menos dois anos. 

Estadual Sara Violeta de Melo Kertesz. Quando não estava estudando ou na igreja, fazia ‘bicos’ na comunidade. “Ele era muito vaidoso e todo o dinheirinho que ganhava era para cortar o cabelo. Ficamos aterrorizados com o que fizeram com ele. Aqui todo mundo se conhece e sabe quem presta e quem não presta e Diego era um menino muito querido e da igreja”, disse uma moradora.   

Ainda segundo os moradores, o adolescente não teria feito nada para provocar a ira das facções. Eles contam duas versões para o crime e em ambas haveria o envolvimento de uma pessoa próxima à família da vítima. A primeira versão dá conta de que Diego saiu de casa para fazer um biscate, no dia 23, uma sexta. Ele foi retirar entulhos de uma farmácia em obras. Depois de receber o pagamento pelo serviço, o adolescente chegou a entrar em uma barbearia, mas o estabelecimento estava cheio. Quando saiu, foi abordado por um jovem, que o conduziu à Rua do Lírio. No trajeto, outros dois rapazes se aproximaram e seguiram junto, formando um grupo de cinco pessoas, dos quais quatro teriam ligação com o CV. “Queriam pegar o moço que ia bastante na casa dele, porque é do grupo rival. Como o menino (Diego) estava de bobeira, fizeram a covardia como vingança”, relatou um morador. 

Ele disse ainda que mataram Diego a tiros e depois cometeram a crueldade contra o corpo, ainda no território do CV. Em seguida, os traficantes deixaram de propósito a cabeça da vítima ao lado de um poste que fica no cruzamento entre as Ruas Maria Cecília, Joana d’Arc e a parte alta da localidade conhecida como Bambu, território do BDM. “Eles ainda deram vários tiros para cima para que a outra turma fosse ver a monstruosidade que fizeram e ocorrer mais um confronto”, contou o morador, que relatou em seguida, que o mesmo grupo deixou o tronco da vítima no fundo do posto de saúde de Ilha Amarela, na Rua Boa Esperança.  

Havia marcas de tiros e alguns dedos foram arrancados. Jamais vou esquecer aquela cena”, relembrou uma ambulante que trabalha em frente ao posto e que conhecia Diego. “Às vezes, ele passava por mim com um carrinho vendendo coxinha e pastel. Eu fiquei chocada com tudo isso. E ele era evangélico, não se envolvia em nada. Ninguém merece morrer dessa forma, nem a pior pessoa do mundo”, completou a mulher. 

Já na segunda versão, o adolescente teria sido atraído para uma emboscada arquitetada pelo rapaz que frequentava a casa dele. No dia anterior ao crime, Diego estaria na companhia do jovem, que o levou à Rua do Lírio. “Ninguém sabe o que ele disse para levar o menino até lá, mas todo mundo aqui sabe da rivalidade entre eles, quem é de lá, não vem para cá e daqui não põe o pé lá. Mas Diego estava morando [na região do conflito] há uns seis meses”, contou uma senhora. A reportagem procurou a família da vítima, mas ninguém foi encontrado. 

Estado de guerra 
A guerra entre as facções em Rio Sena não é de agora. Os moradores relatam que o clima de tensão dura pelo menos dois anos. “A gente não sai de casa à noite. Quando os cachorros começam a latir sem parar, é porque eles estão chegando. Tudo armado, dando tiro pra cima, falando as coisas que só eles mesmos entendem, xingando. Não temos paz”, disse uma moradora da Rua Maria Cecília. 

Entre os meses de junho e julho, a vizinhança viveu momentos de terror. Foram 15 dias consecutivos de tiroteios intensos. Homens armados se enfrentaram nas madrugadas. Em alguns pontos, as ruas ficaram cobertas de cápsulas. Balas perfuraram carros e as paredes das casas e estabelecimentos comerciais. 

Devido à violência desenfreada, o serviço de transporte público chegou a ser suspenso algumas vezes e houve toque de recolher determinado pelo tráfico.  

Na ocasião, a maioria dos ataques foi provocado pelo CV, que tenta se estabelecer em Rio Sena. A facção controla o bairro de Mirante de Periperi e algumas localidade de Rio Sena, como a Rua do Lírio, mas o BDM ainda tem o maior domínio de área. 

Polícias
Em relação à violência em Rio Sena, a Polícia Militar enviou nota dizendo que atua preventivamente no patrulhamento em vias públicas ou através de acionamento. “Na região, o policiamento é realizado pela 18ª CIPM mediante o emprego de viaturas que realizam rondas diuturnamente, com o apoio de equipes da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT) Rondesp BTS”, diz o texto. 

A PM disse ainda que a corporação “ressalta que é imprescindível que qualquer situação que fuja à normalidade seja informada pelo 190 ou 181 (disque-denúncia) para que a PM encaminhe guarnições”.
 
Em relação ao assassinato de Diego, a Polícia Civil informou que “inquérito policial já consta oitiva de testemunhas e já tem indicativo de autoria e motivação”.  “Diligências são realizadas para aprofundar as apurações e identificar os autores. Demais detalhes não estão sendo divulgados para não prejudicar a conclusão do procedimento”, diz nota enviada à reportagem. O caso é apurado pela 3ª DH / BTS. 

Apesar de os moradores terem dito que Diego não era envolvido com a criminalidade, a reportagem pergunto se o adolescente foi conduzido alguma vez a uma delegacia.  A PC respondeu: “O histórico de atos infracionais de adolescentes não é divulgado, considerando o sigilo determinado, conforme artigo 247 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”. 

Sobre a violência que impera em Rio Sena, a PC disse que o Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) realiza ações de inteligência policial e operações repressivas a grupos criminosos da capital, Região Metropolitana de Salvador (RMS) e interior do estado, ao longo do ano, tendo como resultado, diversas prisões, desarticulações de atividades criminosas de traficantes e apreensões de entorpecentes. “Entretanto, as atividades de inteligência policial são contínuas e não são divulgadas, considerando o sigilo necessário para a realização das mesmas”, pontua a nota. 

Facções não se intimidam com a lei
O especialista em segurança pública e coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia, coronel Antônio Jorge, afirma que quem comete crimes bárbaros como a morte de Diego não está preocupado com a lei. 

“Que sentido tem as leis para quem não acredita nelas? É a mesma coisa de dizer: qual o sentido dos Dez Mandamentos para um ateu? A força só reconhece outra força maior. Enquanto a presença do estado em determinadas regiões de nossa cidade se resumir à polícia em operações sazonais, enquanto o império das leis não for definitivamente um império, vamos ter que conviver com isso”. 

O coronel afirma ainda que a situação em Rio Sena não é isolada. “Os exemplos vêm de toda parte. Na aeronáutica se diz que antes de acontecer um acidente aéreo pelo menos trezentos sinais foram dados de que aquele acidente poderia acontecer e só ocorreu porque os sinais foram ignorados. É esse o nosso problema”.

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