Para muitos, 16 anos é uma vida. No caso de Cícero José de Melo, esse foi o tempo em liberdade, direito constitucional, que tiraram dele. Quase 5.500 dias preso por um crime que, agora, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) admite não haver registros processuais em aberto. Dos 32 aos 47 anos de idade Cícero buscou que alguém acreditasse na sua inocência. Dizendo, de dentro da prisão, que ele não tentou matar ninguém.
Nessa quinta-feira (8), Cícero foi solto. Ao por os pés fora da Penitenciária Industrial e Regional do Cariri (Pirc), em Juazeiro do Norte, Interior do Ceará, deu os passos para se refazer depois de tantos anos sendo apontado como criminoso.
A primeira reviravolta na vida do pedreiro foi no dia 18 de novembro de 2005. Cícero estava na cidade do Crato, também na região do Cariri, quando foi surpreendido por policiais.
“Eu estava conversando com um cidadão quando uma viatura me abordou e falou que eu tinha cometido um crime. Nesse momento fiquei sem saber o que fazer. Não pediram nem identificação. Me colocaram dentro da viatura, me fizeram passar vergonha. As pessoas olhando para mim como se eu tivesse cometido crime mesmo. Eu falando que era inocente e eles rindo de mim, rindo da minha cara”, contou.
Depois, levado pelos policiais até a Delegacia do Crato e, em seguida, para a cadeia da cidade: “Fui transferido para Pirc no dia 1º de janeiro de 2009. Nunca tive visita. Eu vivi no abandono. Quem me confortava era Deus e meus parceiros de cela”.Me considero como se eu tivesse sido sequestrado por um crime que eu não cometi nem contra o Estado, nem contra a sociedade
Soltura
Foi um companheiro de cela que contou sobre Cícero para o advogado Roberto Duarte. A história de Cícero chamou a atenção de Roberto quando ele soube que desde 2005 não houve nenhuma audiência, e nem o pedreiro foi ouvido perante à Justiça.
“Comecei a investigar possíveis processos nas comarcas do Interior, na Capital, e nada de achar. Fiz uma visita ao Cícero. Nessa visita colhi a procuração dele, fiz requerimento administrativo junto à direção da Pirc e fui respondido com o alvará de soltura”, disse o advogado.
Consta na decisão da juíza corregedora de presídios, Maria Lúcia Vieira, que a direção da Pirc emitiu ofício expedido pelo setor jurídico da unidade prisional solicitando providências para fins da análise da situação prisional de Cícero José de Melo.
Tendo em vista que não foi constatada a motivação para a manutenção do cárcere, foi decidido pelo relaxamento da prisão provisória. “Torna-se imprescindível o relaxamento da prisão do custodiado a fim de sanar a evidente ilegalidade da sua prisão, vez que não há informações, motivos que fundamentem sua manutenção em cárcere”.
A defesa técnica do pedreiro destacou que o Ministério Público deu parecer favorável à soltura e que “tudo tramitou pela via administrativa, enaltecendo o brilhante trabalho da advogada da unidade prisional que se dedicou e investigou a situação. Agora, o cidadão solto, está em busca de familiares, sob os cuidados do advogado, pois não sabe para onde ir”.
Posicionamento
O TJCE se posicionou, por nota, explicando o fato em meio ao Judiciário. Conforme o Tribunal, ao ser comunicado pela unidade prisional sobre a situação de Cícero José de Melo, realizou pesquisas em sistemas de dados prisionais a fim de localizar registros processuais sobre a prisão dele e encaminhou o ofício, enviado pela Penitenciária Industrial Regional do Cariri, ao Ministério Público para apresentar manifestação sobre o caso. Quando não foram encontrados registros nos sistemas que justificassem a prisão, foi determinada a soltura.Cabe destacar ainda que o Judiciário pode ser acionado a qualquer momento pela defesa dos custodiados, seja por meio de advogado particular ou defensor público, ou pelas próprias unidades prisionais, para análise e deliberação de cada processo. No caso de Cícero José de Melo, essa comunicação ao Poder Judiciário só foi realizada nos dias atuais e, após retorno do Órgão Ministerial, foi determinada imediatamente a soltura dele”.
Agora, Cícero busca refazer sua vida e pede que a família finalmente acredite que ele nunca cometeu o crime. “Passei 16 anos preso injusto. Eu servi o Exército. Meu sonho era colocar meu filho no Colégio Militar. E esse sonho tiraram de mim. Eu me senti péssimo. É difícil a pessoa se manter no Sistema Penitenciário com pessoas que cometeram crimes, e eu sem ter cometido. Jamais eu ia mentir, se eu tivesse cometido um crime, eu diria. Quem comete um crime tem mesmo que pagar pelo que fez”, acrescentou o pedreiro.
O Tribunal de Justiça disse ainda que o caso foi registrado internamente para acompanhamento e registro das informações. A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) a fim de saber como se deu a prisão no ano de 2005 e porquê ela foi motivada. Até a publicação desta matéria, a Secretaria não havia se posicionado.