Herdeiros do ex-parlamentar João Lyra – conhecido na década passada como o deputado mais rico do país – entraram em uma nova disputa em torno da massa falida do grupo Laginha, que detém três usinas de açúcar e etanol em Alagoas, além de uma dívida com o fisco estimada em R$ 3,4 bilhões.
Lyra, morto em 2021, aos 90 anos, por complicações decorrentes da covid-19, foi senador e deputado federal por Alagoas e havia declarado em 2010 um patrimônio de R$ 246,6 milhões (cerca de R$ 650 milhões em valores atualizados).
A briga envolve cinco dos seis filhos de Lyra, incluindo Thereza Collor, viúva de Pedro Collor de Mello. Thereza e seus irmãos tentam afastar a mais velha, Maria de Lourdes Pereira de Lyra, do processo de inventário e destituir a administradora judicial da massa falida Telino e Barros Advogados Associados. Na justiça, eles pedem que Thereza substitua Maria de Lourdes como inventariante.
De acordo com a defesa dos irmãos, Maria de Lourdes foi omissa em relação aos interesses do espólio na falência da Laginha, e o valor patrimonial do espólio depende do que acontecer no processo de falência da empresa.
Para os irmãos, Maria de Lourdes deveria ter questionado o administrador judicial sobre a possibilidade de a Laginha participar do QuitaPGFN. Trata-se de um programa da procuradoria-geral da Fazenda Nacional em que até 89,5% da dívida com o Fisco poderia ser perdoada, o que significaria que, se a Laginha tivesse aderido, possivelmente sobrariam ativos da massa falida para ser divididos entre os herdeiros. Segundo apurou o Estadão, os ativos da Laginha podem se aproximar de R$ 3 milhões.
“É simplesmente estarrecedor que a inventariante nada tenha feito para instar ou sequer questionar o administrador judicial sobre a possibilidade, vantagens e desvantagens de a massa falida aderir ao programa QuitaPGFN”, diz uma petição assinada por advogados das bancas Cascione e Scavuzzi Costa, que defendem os irmãos.
“É a própria solvência do espólio que está em jogo. Não há nenhum credor da massa falida, individualmente considerado, cujo crédito seja maior que o do fisco federal e não há iniciativa na falência com maior potencial de gerar impacto patrimonial para o espólio que o equacionamento da dívida tributária federal”, diz o documento, que segue: “Se, em vez de uma gestão ampla e diligente dos interesses do espólio como credor subordinado na falência da Laginha, fosse preciso escolher um único tema para que um inventariante com capacidade limitada concentrasse seus esforços, o tema seria este”.
O prazo para adesão ao programa era 30 de dezembro de 2022. Nessa data, o administrador judicial solicitou a adesão a uma portaria da procuradoria-geral da Fazenda Nacional que também concede a redução de passivo tributário. Na análise do advogado Igor Telino, do escritório Telino e Barros Advogados – responsável pela administração judicial da massa falida –, essa portaria seria a mais adequada para a Lajinha porque, pelo QuitaPGFN, 30% do valor restante da dívida precisa ser quitado pela empresa imediatamente. A Laginha não poderia fazer isso porque estaria pagando a União antes dos demais credores, o que pode ser considerado crime falimentar.
Telino também afirma que parta da dívida de R$ 3,4 bilhões está sendo contestada na justiça. Assim, se a Laginha aderisse ao programa, estaria assumindo o total do passivo.
O advogado Marcos Vinicius Pulino, do Cascione, no entanto, afirma que teria sido possível solicitar à justiça autorização para participar do QuitaPGFN, que seria um sistema mais “rápido e eficiente” quando comparado à portaria a qual o administrador judicial pretende aderir. No QuitaPGFN, o perdão a parte da dívida é feito de forma automática após todos os documentos serem anexados no pedido online. No caso da portaria, um procurador analisa o pedido.
Também em 30 de dezembro, o administrador judicial sugeriu que um terceiro fosse contratado para acompanhar as negociações com a procuradoria-geral da Fazenda Nacional e com a fazenda do estado de Minas Gerais (onde a Lajinha já teve usinas) em torno da dívida tributária, além de elaborar um planejamento tributário para os próximos anos.
O administrador recomendou o ex-ministro da justiça Eugênio Aragão para assumir a função. Além de ministro por três meses em 2016, Aragão foi subprocurador-geral da República até 2017 e atuou como coordenador jurídico da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última eleição.
A defesa dos quatro irmãos é contra a contratação, dizendo que a própria administração judicial deveria fazer o trabalho tributário e que os honorários de Aragão “provavelmente ultrapassariam a assombrosa quantia de R$ 100 milhões, podendo superar em muito esse valor, a depender, inclusive, do cálculo do suposto benefício do ‘planejamento tributário’”.
A defesa também questiona o fato de não terem sido solicitadas propostas de três diferentes prestadores do serviço e destaca que Aragão tem experiência em direito penal, direitos humanos e direito internacional, mas não em tributário. Procurado, Aragão não respondeu à reportagem.
Telino, da administradora judicial, entretanto, afirma que, por ter sido subprocurador-geral da República, Aragão tem conhecimento de todas as áreas jurídicas. O advogado destaca que os questionamentos apresentados pelos quatro herdeiros de Lyra surgiram apenas após ele ter atuado para suspender as atividades de uma construtora do marido de Thereza Collor em um terreno que seria da massa falida.
De acordo com Telino, a Construtora Gustavo Halbreich construiu uma pista de aeroporto privada em um terreno que seria da massa falida e vizinho a um imóvel de Halbreich onde está sendo construído o resort Reserva Pituba, no sul de Alagoas. Ainda segundo o representante da administração judicial, Halbreich afirma ter comprado esse imóvel da Laginha em 2007, mas teria havido um problema no registro do bem no nome do empresário.
Os advogados dos quatro irmãos afirmam que a construtora adquiriu regularmente as terras da Laginha e que a questão não tem relação com a disputa atual. Seria, segundo eles, uma “cortina de fumaça” criada pela administração judicial para desviar a atenção da responsabilidade dela na renegociação tributária.
Procurada, a defesa de Maria de Lourdes não quis comentar o assunto.