Ministério da Justiça alegou que não tinha como saber de antemão dos pagamentos do CV
A advogada responsável por agendar com o Ministério da Justiça a realização de audiências com a presença da mulher do líder do Comando Vermelho no Amazonas recebeu pagamentos da facção criminosa, conforme recibos bancários obtidos pelo Estadão.
Ex-deputada do PSOL que pediu audiência na Justiça recebeu pagamento do Comando Vermelho
Janira Rocha é ex-deputada estadual pelo PSOL no Rio e foi quem levou Luciane Barbosa Farias, a “dama do tráfico amazonense”, para audiências no ministério, segundo a própria pasta.
O nome de Luciane não aparece na agenda do ministério – apenas o de Janira. Na terça, 14, a pasta comandada por Flávio Dino argumentou que não tinha conhecimento da presença de Luciane na reunião nem como saber da relação dela com o CV, pois quem pediu a audiência foi Janira.
Repasses
Recibos apreendidos pela Polícia Civil amazonense no celular de uma integrante da facção mostram três transferências do “contador” do grupo para a conta de Janira em um único dia, totalizando R$ 23.654. Os pagamentos aconteceram dias antes da primeira reunião de Luciane com o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Elias Vaz, em março.
O encontro foi solicitado por Janira, segundo o próprio secretário de Dino e os registros na agenda oficial. Em nota assinada por Vaz , o Ministério da Justiça alegou que não tinha como saber de antemão dos pagamentos do Comando Vermelho à ex-deputada. Procurada, Janira não havia se manifestado até a publicação deste texto.
Os recibos integram relatório sigiloso da Polícia Civil do Amazonas. Os pagamentos foram feitos por Alexsandro B. Fonseca, conhecido como “Brutinho” ou “Brutus”. Segundo a investigação, ele era uma “espécie de contador da facção criminosa, responsável pela contabilidade da ‘caixinha’ (contribuição dos faccionados)”. Seria também o tesoureiro do CV nos municípios de Parintins, Nhamundá e Carauari. Os pagamentos foram feitos nos valores de R$ 3 mil, R$ 5.645 e R$ 15 mil. O nome completo e o CPF de Janira aparecem nos comprovantes.
ONG
Há, ainda, recibos de pagamentos para a ONG Liberdade do Amazonas. A presidente da entidade é Luciane, mulher de Clemilson dos Santos Farias, conhecido como Tio Patinhas, um dos líderes do Comando Vermelho no Estado, que hoje cumpre prisão no município de Tefé (AM). No caso da ONG de Luciane, a contabilidade do CV do Amazonas registra despesas de R$ 22,5 mil para o mês de fevereiro.
“Pelas imagens extraídas do celular, é possível afirmar que a facção CV financia todas as despesas da associação, tais como: pagamentos de aluguel de casa, conta de água, conta de luz, internet, plano de chips, créditos de chip, contador, salários de assistente social, salários de advogadas, salários de funcionários, seguro-conta, material de limpeza e papelaria, gasolina e passagem dos funcionários, conforme demonstrado nas imagens abaixo”, diz trecho do relatório.
A investigação da Polícia Civil do Amazonas começou com a apreensão de um celular roubado durante abordagem da PM amazonense em Maués (AM). Os dados do aparelho mostraram a existência de uma contabilidade detalhada por parte da facção.
Ex-deputada do PSOL que pediu audiência na Justiça recebeu pagamento do Comando Vermelho
Como mostrou o Estadão, Luciane e sua equipe da Liberdade do Amazonas estiveram em duas ocasiões no Ministério da Justiça. Em 19 de março, foram recebidas por Elias Vaz; em 2 de maio, estiveram com o titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), Rafael Velasco.
Todas as ações do governo para o setor prisional passam pela secretaria de Velasco, que já trabalhava na área nos governos de Dino no Maranhão. Na visita de maio, Luciane também se reuniu com Paula Cristina da Silva Godoy, da Ouvidoria Nacional de Políticas Penais, e Sandro Abel Sousa Barradas, diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen.
Janira Rocha foi eleita deputada estadual em 2010 pelo PSOL do Rio. Ela concorreu ao mesmo cargo em 2006 e 2014, mas não teve votos suficientes. Em 2021, foi condenada em primeira instância na Justiça por contratar funcionários fantasmas e obrigar servidores de seu gabinete a devolver parte dos salários durante seu mandato, de 2011 a 2014.