Aposentadorias movimentam consumo e economia dos municĂpios
A diminuição dos gastos pĂșblicos entrou no centro do debate polĂtico e econĂŽmico nos Ășltimos dias. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, jĂĄ anunciou a necessidade de cortes nas despesas obrigatĂłrias para o cumprimento da Lei do Arcabouço Fiscal, mas nĂŁo especificou as ĂĄreas que serĂŁo atingidas.
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Especialistas alertam para impacto de possĂveis cortes na PrevidĂȘncia
Segundo o ministro, as medidas de contingenciamento e bloqueio serão divulgadas no dia 22 de julho, mesmo dia da publicação do Relatório Bimestral de Receitas e Despesas, elaborado pela Receita Federal. Até lå, a discussão sobre as åreas em que devem ocorrer os cortes tende a se intensificar.
A PrevidĂȘncia Social costuma ser uma das ĂĄreas mais visadas. No entanto, a ideia de desvincular o piso previdenciĂĄrio do salĂĄrio mĂnimo Ă© criticada pelo advogado e contador Ălvaro SĂłlon de França, ex-secretĂĄrio executivo do MinistĂ©rio da PrevidĂȘncia e ex-presidente do Conselho Executivo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).
Para ele, o governo deveria reverter a desoneração de imposto em vez de pensar em diminuir valor de benefĂcios. âA desvinculação do salĂĄrio mĂnimo dos benefĂcios previdenciĂĄrios e assistenciais Ă© um ajuste fiscal em cima da classe mais pobre. Vamos aumentar a pobreza e a desigualdade social no Brasil.â
Especialistas alertam para impacto de possĂveis cortes na PrevidĂȘncia
França, que prepara seu terceiro livro sobre a PrevidĂȘncia Social, disse Ă AgĂȘncia Brasil que os benefĂcios previdenciĂĄrios e assistenciais nĂŁo vĂŁo para a poupança, nem para aplicação no mercado financeiro. “Eles vĂŁo diretamente para o consumo e a circulação do dinheiro que provoca a melhoria da qualidade de vida.â
O especialista assinala que, na mĂ©dia, cada beneficiĂĄrio recebe R$ 1.744 e que oito de cada dez benefĂcios pagos pela PrevidĂȘncia Social tem o valor de um salĂĄrio mĂnimo. Assim, a desvinculação do mĂnimo teria efeito recessivo e ainda poderia diminuir a arrecadação de tributos em cima do consumo desses beneficiĂĄrios â o que geraria desequilĂbrio fiscal.
Especialistas alertam para impacto de possĂveis cortes na PrevidĂȘncia
Outro efeito seria o impacto nas contas de 4.101 municĂpios â 73% das 5.568 cidades brasileiras, nas quais os recursos oriundos da PrevidĂȘncia Social tĂȘm volume maior do que os repasses do Tesouro Nacional ao Fundo de Participação dos MunicĂpios.
Proposta de emenda
Artigo de economistas ligados Ă Universidade Federal de Minas Geraus, publicado em março na revista Pesquisa e Planejamento EconĂŽmico, editada pelo Instituto de Pesquisa EconĂŽmica Aplicada (Ipea), tambĂ©m alerta para os possĂveis efeitos sociais do corte de benefĂcios.
O texto analisa a versĂŁo original da Proposta de Emenda Ă Constituição (PEC) 6/2019 que, Ă Ă©poca, estabelecia o pagamento do benefĂcio de prestação continuada (BPC) a partir dos 60 anos, mas com valor de R$ 400. O valor de um salĂĄrio mĂnimo (entĂŁo R$ 998) somente seria pago aos 70 anos, cinco anos depois da idade, como permanece em vigor.
Os autores â DĂ©bora Cardoso, Edson Paulo Domingues, LuĂs Eduardo Afonso e Guilherme Cardoso â concluem que o corte de pagamentos do BPC proposto na proposta âseria bastante regressivo, impactando fortemente as famĂlias de menor renda.â
Quanto a pensĂ”es e aposentadorias do Regime Geral de PrevidĂȘncia Social, eventuais cortes podem ser âpositivos, ou menos negativosâ, a depender do destino do dinheiro poupado, se, por exemplo, se adota uma suposição de resposta mais forte do investimento. O artigo defende, no entanto, que eventuais cortes em benefĂcios de servidores ativos e aposentados inscritos em regimes prĂłprios de previdĂȘncia social teriam âcarĂĄter progressivoâ e diminuiriam a desigualdade.
DivergĂȘncia
O Projeto de Lei de Diretrizes OrçamentĂĄrias (PLDO) de 2025, em tramitação no Congresso Nacional, prevĂȘ que o Regime Geral de PrevidĂȘncia Social terĂĄ arrecadação de R$ 709,1 bilhĂ”es, e o pagamento de benefĂcios previdenciĂĄrios serĂĄ de R$ 980,9 bilhĂ”es. Um dĂ©ficit de R$ 271,8 bilhĂ”es, que impacta no resultado primĂĄrio das contas pĂșblicas.
De acordo com estimativa do PLDO, o salĂĄrio mĂnimo passarĂĄ dos atuais R$ 1.412 para R$ 1.502. Os R$ 90 de diferença trarĂŁo impacto de R$ 51,2 bilhĂ”es, cerca de um quinto do dĂ©ficit previdenciĂĄrio, conforme nota tĂ©cnica das consultorias de Orçamento da CĂąmara dos Deputados e do Senado Federal.
Na avaliação do pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia, unidade da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) BrĂĄulio Borges, tambĂ©m economista sĂȘnior da ĂĄrea de macroeconomia da LCA Consultores, a PrevidĂȘncia Social Ă© âa principal rubrica que deve ser âatacadaâ para restaurar o equilĂbrio fiscal brasileiro.â
Em artigo recente, o economista opina que âum elemento crucialâ para conter a expansĂŁo do dĂ©ficit previdenciĂĄrio seria desvincular o piso previdenciĂĄrio, o BPC e outros benefĂcios assistenciais do salĂĄrio mĂnimo nacional.
âO salĂĄrio mĂnimo Ă© uma variĂĄvel que deve, sim, ser reajustada ao longo do tempo em termos reais, refletindo ganhos de produtividade da mĂŁo de obra, mas Ă© uma variĂĄvel que deve regular o mercado de trabalho, ou seja, a vida de quem estĂĄ participando ativamente da produção econĂŽmica. As aposentadorias e pensĂ”es deveriam ser reajustadas apenas pela inflação, mantendo o poder de compra ao longo do tempoâ, afirma Borges.
No texto, o especialista ainda defende o incremento da arrecadação com a futura cobrança do futuro Imposto Seletivo sobre produtos que impactam a saĂșde e o meio ambiente, e pondera que âalguns subsĂdios explĂcitos para o setor agropecuĂĄrio (como equalização de juros do Plano Safra, dentre outros) poderiam ser reduzidos, uma vez que o setor jĂĄ Ă© altamente competitivo com âas prĂłprias pernasâ.