Um a cada seis beneficiários do Auxílio Brasil e do BPC (Benefício de Prestação Continuada) contratou o empréstimo consignado criado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), totalizando R$ 9,5 bilhões em desembolsos até 1º de novembro, em meio ao período eleitoral.
Os dados são do Ministério da Cidadania e constam no relatório final do grupo técnico do Desenvolvimento Social na equipe de transição, obtido pela Folha.
A equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), critica a medida e recomenda a suspensão dos financiamentos, bem como a mudança do arcabouço legal para evitar o superendividamento das famílias -que estão justamente na camada mais vulnerável da população.
Os beneficiários do Auxílio Brasil são famílias que vivem em condição de pobreza (até R$ 210 por pessoa) ou extrema pobreza (até R$ 105 por pessoa).
Já o BPC é pago a idosos com mais de 65 anos ou pessoas com deficiência de baixa renda.
Como mostrou a Folha, parte dos beneficiários recorreu ao financiamento para comprar comida, pagar contas e até para bancar as celebrações de fim de ano.
“Essas pessoas terão até 40% de seu benefício comprometido […]. A medida, claramente eleitoreira, vai na contramão das políticas de proteção social, comprometendo benefícios futuros”, diz o documento.
Se o indivíduo for suspenso ou excluído do programa, o comprometimento equivalente a até 40% do benefício seguirá pesando sobre qualquer outra eventual renda que ele tenha.
O empréstimo consignado para esses benefícios foi criado em março de 2022 por Bolsonaro, por meio de uma MP (medida provisória) convertida em lei no mês de agosto.
A regulamentação do Ministério da Cidadania estipula um teto de juros de 3,5% ao mês (equivalente a 51,1% ao ano) e um número máximo de 24 prestações para o pagamento.
A maioria dos bancos, porém, não quis ofertar a linha de crédito diante do elevado risco de inadimplência, além de possíveis danos à imagem das instituições por embarcar em uma política que, na prática, incentiva o endividamento de uma população vulnerável.
A Caixa foi uma das poucas instituições a lançar o consignado do Auxílio Brasil. A oferta das operações começou em 11 de outubro, entre o primeiro e o segundo turno das eleições.
Após a derrota de Bolsonaro, o banco público restringiu os financiamentos da linha -que é alvo de questionamentos judiciais. A futura presidente da Caixa, Rita Serrano, é crítica à modalidade.
A preocupação da transição é com as famílias que já contrataram a operação e que, por algum motivo, podem perder o benefício por não se encaixarem nos critérios de pagamento, ou porque o Auxílio Brasil deve passar por mudanças.
O time de Lula quer rediscutir o desenho e formular um novo Bolsa Família, priorizando o pagamento por pessoa. Hoje, é repassado um valor mínimo de R$ 600 por família, o que incentivou a divisão dos cadastros e propiciou a inclusão atípica de 3,7 milhões de famílias com um único integrante durante a gestão Bolsonaro.
Com as alterações, é possível que algumas famílias tenham seu benefício reduzido, bloqueado ou até mesmo suspenso. Já a dívida permaneceria pressionando o orçamento de lares que já não têm renda suficiente para sua sobrevivência.
“As pessoas que tomam o crédito consignado terão a sua renda familiar comprometida, quer permaneçam no programa de transferência de renda, quer não, mesmo que saiam por medida de redesenho, averiguação ou impossibilidade de atualização de informações. Trata-se de uma desproteção social futura, com transferência de valores substanciais da renda dessas famílias para o sistema financeiro”, diz o documento.
O próprio grupo técnico afirma que o comprometimento do orçamento familiar com o consignado pode acabar levando a uma “redução da margem de redesenho do Auxílio Brasil”, para não agravar a situação das famílias.
A recomendação da transição é “suspender o consignado até pronunciamento do STF [Supremo Tribunal Federal]” e realizar a “avaliação dos prejuízos causados”. Outras sugestões incluem a redução dos juros e a criação de um painel de informações sobre o crédito consignado.
O time de Lula também anunciou, no início de dezembro, que pretende encaminhar aos órgãos de controle os achados envolvendo o Auxílio Brasil para uma investigação de abuso de poder político e econômico de Bolsonaro às vésperas da eleição. Se vingar, a apuração pode resultar na inelegibilidade dos gestores envolvidos.