Depois de viver por 38 anos em condições análogas à escravidão, uma mulher em Patos de Minas foi resgatada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal.
No domingo (20), o Fantástico contou a história de Madalena Gordiano, que trabalhou desde os 8 anos na casa da família Milagres Rigueira, na cidade do Alto Paranaíba. O advogado de defesa se posicionou sobre o assunto (veja nota abaixo).
Segundo apurado pela reportagem, a diarista, que é negra e não terminou os estudos, morava na casa dos patrões, não tinha registro em carteira, nem salário mínimo garantido ou descanso semanal remunerado.
Conforme o auditor fiscal do trabalho, Humberto Moteiro Camasmie, ela dormia em um quarto pequeno e sem janelas. “Era um quarto com menos de 3 metros de comprimento por 2 de largura, abafado e sem ventilação”.
A diarista trabalhou primeiro para a matriarca da família e depois para o filho, que é professor universitário.
No dia 27 de novembro ela foi resgatada do apartamento, no Centro da cidade, e agora está em um abrigo para mulheres vítimas de violência.
A vítima é acompanhada pela Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais (Seds), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e Centro de Referência em Assistência Social (Cras). Ela recebeu moradia, acompanhamento psicológico e de assistência social.
Os responsáveis são investigados por submeter uma pessoa à condição de trabalho análogo ao escravo e tráfico de pessoa. Também podem responder por apropriação indébita e a pena pode chegar a 20 anos de prisão.
História de vida
Madalena Gordiano contou ao Fantástico como chegou até a família. Com 8 anos, ela bateu na porta da casa da professora Maria das Graças Milagres Rigueira para pedir comida.
“Fui lá pedir um pão, pois eu estava com fome, ela falou que não me dava se eu não morasse com ela”.
A moradora de Patos de Minas que se ofereceu para adotá-la e a mãe de Madalena, que tinha nove filhos, concordou. Mas a adoção nunca foi formalizada. A diarista contou que, quando chegou à casa nova, deixou a escola.
“Ajudava a arrumar a casa, cozinhar, lavar banheiro, passar pano na casa. Não brincava, não tinha nem uma boneca”, falou Madalena.
Depois de 24 anos, a diarista foi trabalhar para o filho de Maria das Graças, o professor Dalton César Milagres Rigueira, onde vivia nas mesmas condições e de onde foi resgatada. Ele trabalha no Centro Universitário de Patos de Minas (Unipam), de onde foi afastado, segundo instituição.
Um vizinho, que preferiu não se identificar, contou sobre o trabalho da vítima. “Ela acordava umas 4h para passa roupa. Ninguém deles podiam ver ela conversando com alguém do prédio. Você via que ela ficava com medo quando alguém chegava perto”, contou.https://c26b589c3fe3dc828c86b2b636831b39.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
Denúncia
Segundo o MPT, os vizinhos desconfiaram da situação depois que Madalena deixou bilhetes debaixo da porta dos moradores do prédio pedindo pequenas quantias em dinheiro para comprar kits de higiene pessoal.
“A família tinha uma vida economicamente tranquila e ao mesmo tempo tinham uma pessoa que morava no local, trabalhava pra eles e que estava precisando de produtos básicos. Isso chamou muita atenção da vizinhança” falou o auditor fiscal Humberto Moteiro Camasmie.
Após receber a denúncia, o MPT, por meio da procuradoria de Patos de Minas, ajuizou uma ação cautelar para ter acesso à residência.
Com a participação da Auditoria-Fiscal do Trabalho e da Polícia Federal, foram flagradas situações graves violações a direitos humanos, o que resultou no resgate da empregada, que ocorreu no dia 27 de novembro.
Segundo apurado pelo Fantástico, Madalena chegou a se casar com o tio da esposa do professor, mas nunca morou junto com o companheiro.
Ele era ex-combatente das forças armadas e morreu pouco tempo depois, deixando duas pensões de aproximadamente R$ 8 mil por mês. Ela não recebia esse dinheiro e contou que o patrão controlava a conta dela. “Me dava R$ 200 ou R$ 300 por mês”, disse.
Agora, segundo a procuradoria, estão em curso audiências com os empregadores, em ritmo de urgência, para tentativa de assinatura de Termo de Ajuste de Conduta.
“O objetivo é a reparação espontânea dos danos morais e materiais causados à trabalhadora e à sociedade, bem como de inibir a prática de novos ilícitos trabalhistas. Na impossibilidade desse acordo administrativo, caberá o ajuizamento de ação civil pública perante a Justiça do Trabalho”, diz comunicado oficial do MPT em Patos de Minas.
O outro lado
Ao Ministério Público do Trabalho (MPT), durante investigações, Dalton César Milagres Rigueira disse que Madalena se recusou a aceitar a oferta de um quarto maior no apartamento. Também disse que ela que decidiu parar de estudar e não a incentivou, pois acreditou que ela não se beneficiaria em receber educação.
E que “nunca considerou Madalena como empregada” e que “tem certeza que Madalena a família do depoente como sendo sua própria família”, diz o documento.
Por meio de nota, o advogado de defesa da família, Brian Epstein Campos, enviou um posicionamento. Veja íntegra abaixo.
“Com respeito a todas as interpretações e ao direito de manifestação possíveis e válidas numa democracia, a defesa informa que ainda não teve acesso a todos os elementos que envolvem a senhora Madalena. A divulgação prematura e irresponsável, pelos fiscais e agentes do Estado, antes de um processo que por sentença reconheça a culpa, viola direitos e dados sensíveis daquela família e vulnera a segurança pessoal deles. A defesa seguirá, discreta e séria, atuando exclusivamente nos limites constitucionais e do Devido Processo Legal. Estamos em um momento de confraternização cristã e uma reflexão cautelosa, após conhecimento de todos os fatos nunca criará prejuízos.”