Uma nova espécie de surucuá, ave da família Trogonidae, acaba de ser descrita. Descoberta nos remanescentes de Mata Atlântica do Estado de Alagoas, a espécie ocorre em uma área restrita na Estação Ecológica (ESEC) de Murici e conta com poucos indivíduos, por isso, foi considerada pelos cientistas como “criticamente ameaçada”. O artigo que descreve a espécie foi publicado no último dia 6, no Zoological Journal of the Linnean Society.
A nova espécie foi batizada de surucuá-de-murici (Trogon muriciensis), em homenagem à sua área de ocorrência. Ele se distingue de qualquer outra espécie do gênero pelo tamanho – é um pouco menor –, pela coloração da plumagem e pelo barramento da cauda, que segue um padrão de listras. Além disso, foram encontradas diferenças no canto e em caracteres genéticos. Todas estas características foram identificadas em exemplares machos. A fêmea ainda não é conhecida.
“Esta é uma espécie nova e ainda desconhecida da ciência”, explica o ornitólogo Luís Fábio Silveira, curador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do estudo.
Segundo ele, durante os trabalhos de campo foram detectadas apenas 20 aves, em uma área isolada, e a estimativa dos pesquisadores é que a população não ultrapasse 90 casais. Em museus, há somente dois exemplares depositados.
Por estas características, a nova espécie já corre perigo de extinção e “exige urgentes ações de conservação”, alertam os pesquisadores no estudo.
“A ESEC de Murici tem um altíssimo grau de endemismo. Ela foi criada justamente pelo elevado número de espécies endêmicas e aves ameaçadas de extinção. Atualmente, são conhecidas mais de 40 espécies que ocorrem no Centro de Endemismo Pernambuco e estão nesta categoria”, diz Marco Antonio de Freitas, analista ambiental e chefe da Estação Ecológica de Murici.
“O surucuá-de-murici é um pássaro candidato a virar a espécie símbolo da Estação Ecológica, não só pela beleza, mas pelo significado da sua descoberta e seu status de conversação, o que aumenta ainda mais a responsabilidade do ICMbio de finalizar a indenização da área em que será construída a sede da ESEC, para que possamos aumentar a proteção efetiva, a presença física, dentro da unidade”, complementa Freitas.
Revisão taxonômica
O trabalho que levou à descoberta da nova espécie em Alagoas também promoveu uma ampla revisão taxonômica dos surucuás-de-barriga-amarela (Trogon rufus), grupo bastante complexo – já que muitas variações de plumagem receberam nomes, dividindo-o em subespécies ou espécies – e cuja distribuição é bastante ampla pelas florestas da América do Sul e Central.
Antes da revisão, eram consideradas seis subespécies para este surucuá: Trogon rufus rufus, Trogon rufus tenellus, Trogon rufus cupreicauda, Trogon rufus sulphureus, Trogon rufus amazonicus e Trogon rufus chrysochloros, que ocorrem desde o sul da Guatemala até o norte do Uruguai e nordeste da Argentina.
Em 2019, pesquisadores de diferentes partes do globo começaram a se debruçar sobre este grupo de aves, levando à reclassificação de três das subespécies, que passaram a ser consideradas espécies à parte.
Para que esta revisão fosse feita, foram avaliadas 906 peles, depositadas em vários museus do mundo. A análise valeu-se de dados detalhados de coloração – possíveis de serem captados a partir do uso de um espectofotômetro – medidas de bico, asa e cauda, além de outros aspectos morfológicos.
“Também usamos dados de vocalização e dados genéticos para entender a natureza da variação por toda a distribuição geográfica, e como ela pode ser traduzida na forma da definição das espécies válidas”, diz Silveira.
Segundo os pesquisadores, ao longo da bacia amazônica brasileira existem três áreas de intergradação – quando duas subespécies distintas ocorrem em áreas onde suas populações têm as características de ambas – entre as subespécies dos táxons sulphureus, rufus e amazonicus, que cruzam entre si e que foram mantidas com esta classificação taxonômica.
Já os táxons tenellus e cupreicauda, que ocorrem no norte da América do Sul e América Central, e chrysochloros, endêmico do bioma Mata Atlântica, são muito distintos de suas subespécies da bacia amazônica, tendo sido considerados espécies distintas.
Desta forma, com a revisão, além do Surucuá-de-Murici (T. muriciensis), a Mata Atlântica também ganhou uma segunda espécie endêmica do bioma, o Trogon chrysochloros, ainda não batizado com nome popular no Brasil.
“Isso demonstra o quão importante e relevantes são as coleções biológicas, que são a base material para estudos mais refinados. Além disso, trabalhos de campo e de laboratório, onde dados genéticos e das vocalizações podem ser obtidos e estudados, permitem que o nosso conhecimento sobre a diversidade, expresso em revisões taxonômicas, seja muito mais preciso hoje em dia”, complementa Luis Fábio Silveira.