Hoje em dia, é comum ver crianças e adolescentes com celulares, tablets e videogames nas mãos. Durante o isolamento social, isso não seria diferente. Pelo contrário, a pandemia contribuiu para uma utilização ainda maior das telas. Com escolas fechadas e pais em trabalho remoto, a ociosidade foi preenchida pelos eletrônicos, tornando o tempo de qualidade entre pais e filhos mais escasso. Porém, a utilização exagerada pode desenvolver doenças mentais sérias nos pequenos.
“Não é fácil distrair crianças trancadas dentro de casa, sem interação com outras crianças, sem gastar energia. É preciso criatividade e muita doação pessoal para isso. As crianças estão pagando um preço alto por este isolamento social”, lamenta o Coordenador da pediatria do Hospital Águas Claras, Mário Carpi.
A pandemia gerou uma sobrecarga para os pais, haja visto que tiveram de lidar com mais coisas ao mesmo tempo, como aponta a psicóloga perinatal da Maternidade Brasília Hamanda Palazzo. “O momento gerou um estresse adicional nas relações, além de desgaste no bem-estar físico e mental. Estar com a criança por maior tempo em um ambiente pouco estimulante ou hostil pode ser pior que um ambiente na ausência dos pais”, diz.
A opção para os pais e os filhos foi o maior consumo de conteúdo online, por meio de aparelhos eletrônicos digitais. Entretanto, a prática culminou num excesso de exposição dos pequenos às telas e reduzindo o tempo de qualidade entre pais e filhos.
O impacto negativo já pode ser observado. “Há casos de crianças mais irritadas, com propensão à ansiedade e depressão, falta de resiliência e dificuldade no convívio social e em lidar com as emoções, além de impactos musculares, de visão, audição, e desenvolvimento de habilidades manuais, raciocínio, leitura e escrita. Tudo isso é promovido pelo tempo em que ficam à frente de algum dispositivo eletrônico”, explica Palazzo.
A saída é se organizar e passar um tempo de qualidade com os filhos. Dando total atenção às suas queixas, como aponta Mário Carpi. Segundo o pediatra, é necessária uma reformulação do tempo em família, estabelecer rotinas, não apenas para o trabalho, mas também para os filhos. Uma das soluções sugeridas pelo médico, é incluir as crianças e adolescentes nas atividades domésticas compatíveis com cada faixa etária, estabelecer horários para fazer algo juntos, incluindo passeios ao ar livre, brincar e cozinhar juntos.
“Por que os pais não passam mais tempo de qualidade com seus filhos mesmo estando todos trancados em casa? Essa é uma pergunta que cada um deve fazer a si mesmo. Porém, organizar o tempo é importante e isso deve partir dos pais e não dos filhos. Há hora para trabalhar, estudar, fazer tarefas domésticas, brincar, passear (sim, não há nada de errado em sair para andar e tomar sol desde que mantidas as regras do distanciamento social), enfim, organizar o tempo”, explica Carpi.
Acesso a internet e saúde mental afetada
Pesquisa da TIC Kids Online Brasil 2019, lançada este ano, mostrou que a maioria dos lares brasileiros têm acesso à banda larga (80%). Neste contexto, cerca de 52% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos utilizam o celular como fonte de acesso à internet.
O levantamento ainda mostrou que estas crianças e adolescentes viram conteúdos impróprios para a idade, viram alguém ser discriminado ou foram discriminadas e ainda foram tratados de forma ofensiva no ambiente virtual.
“Não tenho dúvidas que tudo isso trará impactos negativos. Pode acrescentar a esta equação a dificuldade de socialização, de enfrentar e resolver problemas, o aumento da obesidade e de suas consequências metabólicas a longo prazo, fora o aumento do risco de exposição a conteúdos inadequados, seja na TV ou na internet”, alerta Mário Carpi.
Além disso, um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) da Espanha, realizado durante a pandemia, aponta que cerca de 20% das crianças no mundo têm algum problema relacionado à saúde mental.
“Além de limitar o tempo com eletrônicos, é importante avaliar a qualidade da relação com o ambiente digital, já que diante da nova realidade se tornou algo necessário. Uma dica é sempre buscar equilíbrio, as atividades digitais não podem competir com as atividades do desenvolvimento como alimentação, sono e interação familiar. Um tempo de qualidade e fazer as coisas juntos, potencializando as habilidades das crianças, gerando autoestima, aprendizado e autonomia. Isso melhora qualquer desenvolvimento de doença mental em crianças”, explica Hamanda Palazzo.
Tempo de uso para cada idade
É necessário observar as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria sobre as recomendações na saúde da criança e do adolescente na era digital.
“Evitar a exposição de crianças menores de dois anos às telas, mesmo que passivamente; entre dois e cinco anos, limitar o tempo de telas ao máximo de uma hora por dia, sempre com supervisão; uma ou duas horas por dia, sempre com supervisão para crianças com idades entre seis e 10 anos; o tempo em telas e jogos de videogames para adolescentes com idades entre 11 e 18 anos deverá ser de duas ou três horas por dia, sempre com supervisão. Para todas as idades: nada de telas durante as refeições e desconectar uma a duas horas antes de dormir”, recomenda Carpi.
“Para uma interação de qualidade com os filhos, os pais podem além de optar pelo estabelecimento de uma rotina e horários para as determinadas atividades, investir em atividades mais lúdicas e brincadeiras, buscar o esclarecimento de responsabilidades e atribuições de cada membro da família e dependendo da idade, incluir a criança nas tarefas domésticas. Realizar alguma atividade física, seja na varanda, quintal ou até mesmo na sala de casa. Ter um espaço de expressão de emoções e sentimentos, com participação e envolvimento dos pais nas atividades escolares. De forma geral, diante de uma experiência nova e que rompe a rotina é sempre importante prezar pelo bom diálogo, pois assim as crianças podem entender que os pais também precisam fazer ajustes”, finaliza Hamanda Palazzo.