O rigor com que o Tribunal Superior Eleitoral trata os casos de fraude à cota de gênero nas eleições pode ser turbinado por uma posição segundo a qual a mera existência de qualquer candidatura fictícia é suficiente para derrubar o registro de toda a chapa.
O tema foi discutido em recursos julgados na noite desta terça-feira (23/5) e dividiu os julgadores da composição atual da corte. Os casos envolveram a interpretação do artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).
Trata-se da norma que determina que, nas eleições proporcionais, partidos e coligações devem preencher suas chapas com no mínimo 30% e no máximo 70% de candidaturas de cada sexo. O descumprimento desse montante leva à cassação do registro da chapa inteira.
A dúvida agora é saber o que acontece quando uma chapa tem candidaturas fictícias, mas mesmo sem elas acaba preenchendo o mínimo de 30% exigido pela lei. O TSE precisa decidir se o mero objetivo de fraudar a lei é capaz de causar punição tão grave.
30% de mulheres
Os recursos trataram das eleições para a Câmara Municipal de Roteiro, onde a chapa do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) registrou 14 candidaturas: nove homens e cinco mulheres. A ação foi ajuizada considerando que duas delas eram fictícias.
Uma das acusadas, no entanto, disse que seu pouco engajamento na campanha eleitoral se deu por causa da necessidade de cuidar do marido, diagnosticado com câncer. A maioria dos votos do TSE considerou a explicação suficiente para afastar a ocorrência de fraude.
Assim, houve apenas uma candidatura fictícia do PTB. Excluída da conta, ainda restariam quatro mulheres entre 13. Ou seja, houve 30,7% de candidaturas femininas. Duas linhas de entendimento, então, formaram-se no TSE sobre a necessidade de promover a cassação da chapa.
A posição do relator, ministro Benedito Gonçalves, é de subir o rigor da corte e cassar o registro de todos os candidatos do PTB. Ele foi acompanhado pelos ministros André Ramos Tavares e Cármen Lúcia.
Abriu a divergência o ministro Raul Araújo, para quem a exigência da lei foi cumprida pelo partido. Ele votou por afastar a cassação e foi acompanhado pelos ministros Maria Cláudia Bucchianeri e Kassio Nunes Marques.
Não houve desempate porque o ministro Alexandre de Moraes, presidente do tribunal, abriu uma terceira linha de voto: ele entendeu que ambas as candidaturas foram fictícias, inclusive a da mulher cujo marido teve câncer, pois ela já sabia da doença antes de se candidatar e mesmo assim não desistiu.
Com isso, a conclusão final foi dar provimento aos recursos para cassar as candidaturas.
Fraude é fraude
Ao divergir de todo mundo em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que pretende analisar o tema em uma outra oportunidade. A posição definitiva do TSE pode pender para qualquer lado, já que há duas vagas de titular abertas no momento.
Os ministros Carlos Horbach e Sergio Banhos encerraram seus mandatos na última semana e ainda não foram substituídos. A tradição indica a efetivação dos ministros substitutos, Maria Claudia Bucchianeri e André Ramos Tavares, mas não há garantias de que isso ocorrerá.
Para o ministro Raul Araújo, a exigência da lei está cumprida mesmo na hipótese em que, afastada a candidatura fictícia, a cota de gênero é cumprida. “Tal compreensão prestigia a soberania do voto e a prevalência da vontade popular”, concluiu ele.
O ministro Nunes Marques opinou que entender de modo diferente cria um precedente perigoso, pois pode incentivar o registro de candidaturas fictícias infiltradas, feitas por partidos opositores. Bastaria a existência de apenas uma delas para anular todos os votos recebidos pela chapa.
“Minha preocupação é que as regras extraídas da jurisprudência do TSE possam servir de mecanismo de burla e que amanhã tenhamos candidaturas fictícias de candidatas infiltradas”, afirmou. Para ele, é razoável manter uma chapa que, apesar dos pesares, registrou ao menos 30% de mulheres.
AREspe 0600869-93.2020.6.02.0018
AREspe 0600004-36.2021.6.02.0018