Aos 20 dias do mês de julho de 1934, morria, em Juazeiro do Norte/CE, Cícero Romão Batista, conhecido até hoje como “Padre Cícero”. Desde então até a presente data, passados 85 anos, milhões de pessoas em todo o Brasil reúnem-se para lembrar dos feitos do sacerdote da igreja católica.
Mais cedo, participei, como em quase todos os anos de vida, da tradicional missa em memória à morte do Padre Cícero que é realizada em Boca da Mata, município onde o dia 20 de julho é feriado municipal e a data é lembrada com fervor, inclusive por parte de romeiros que vêm de outras cidades. Uma missa campal que reúne, ano a ano, cerca de 10 mil fiéis.
Trata-se de uma demonstração de fé muito bonita. Especialmente idosos e idosas, de todas as classes sociais e de todos os graus de instrução, renovam sua devoção por um homem cuja história gera inquietações até os dias de hoje.
Há alguns anos, após diversas viagens a Juazeiro do Norte, que é um dos maiores centros religiosos do mundo, adquiri e li uma excelente obra do renomado historiador Lira Neto, intitulada “Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão”. Centenas de páginas de muita história. Boa história. Relata Lira Neto que, às 6h40 da manhã, os sinos badalaram o aviso fúnebre. O Nordeste inteiro sofria uma grande dor. A residência do padre foi rodeada de uma multidão.
“Uns procuravam entrar pela janela, forçando passagem também pelas portas que estavam fechadas. Outros eram pisoteados pela massa em polvorosa. Todos queriam ver o padre, aproximar-se dela pela última vez. O quadro era de histeria coletiva. (…) Ao longo de toda aquela sexta-feira, os fiéis debulharam-se de lágrimas.” (NETO, Lira. Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 511).
Nos ensinamentos de Padre Cícero, são recorrentes lições de respeito, perdão e fraternidade. “Quem matou, não mate mais”. Difunde-se o ideal de uma igreja próxima dos mais pobres, que percorra o recôndito e os locais mais afastados. Um sacerdócio não rancoroso e apaixonado pelas pessoas. Seus bens foram herdados, principalmente, ao bispado de Crato/CE, um gesto de fé.
Embora tenha morrido excomungado da igreja, o Vaticano autorizou a sua reconciliação em 2015, de modo que muitos esperam a beatificação e/ou canonização de Padre Cícero ainda no Século XXI. Um personagem controverso, é verdade, mas jamais esquecido, símbolo de popularização da palavra cristã e de respeito a todo ser humano, mesmo que pecador.
Pessoalmente, entendo que a igreja não pode prender-se ao dogma do pecado para disseminar o ódio, mas utilizar-se da palavra cristã para promover a paz, a fraternidade e o respeito às diferenças. A linguagem de Padre Cícero deve ser lembrada nesses termos. Hoje e sempre.